terça-feira, 14 de julho de 2009

No jardim do Rei não há lugar para os porquês…

Quem é especial, fica-nos para sempre. Guardado no coração, a mais do que a sete chaves. Por vezes, a cadeados, com medo que nos roubem quem nos alimenta a alma.

Gosto cada vez mais das tragédias Gregas. Não por me sentir dentro de uma. Claro que o sinto, ainda assim.
Sinto.
Claro, ainda assim.
Mas gosto cada vez mais das tragédias gregas por isto. Mais por isto. Não só por isto: encarnam a ironia da vida, da própria desgraça, da dita tragédia. Criaram na história “O riso de Deus”[1]. A Ironia desgraçada que nos faz roer as unhas, enquanto deixamos que as nossas dores deixem roer o que nos vai por dentro, os sonhos são comidos, a esperança limita-se a um minuto, ao minuto do inspirar-expirar. E mais não se pede. Porque não se tem coragem.
Aliás, há mesmo dias em que não se tem coragem para mais.
Mas gosto cada vez mais das tragédias gregas por isto: na visão do teatro grego não é o Homem que escolhe o seu destino, é o destino que escolha o Homem. Não que se acredite nisso… A graça vem do significado da tragédia, por mais paradoxal que nos pareça, provém não dos pontos fracos do protagonista (ou seja, dos fantoches, que às vezes sentimos ser) mas sim dos seus méritos. Das virtudes.
Ou seja, quando um dia passarem a viver com os vossos mortos dentro de vós, com as saudades infinitamente penetrantes desde o cérebro ao ponto de terem um esgotamento nervoso de tanto lembrarem, tentarem, quererem, pedirem…pensarem. Quando esse dia chegar acreditem (porque é uma teoria com um cariz muito acessível): a tragédia bateu-vos à porta pelas vossas virtudes! Lamento! Ai… até me apetece rir, ao ponto de me agarrar à barriga. Fossem podres na humanidade, fossem egoístas, ditos maus, ditos feios, ditos cruéis, ditos malévolos. Fossem-no. Assim não viveriam com os mortos dentro de vós. Agora, já está.
Agora já está: tem virtudes e, como na tragédia grega, o destino veio escolher-vos. Escolher-me. E carregar-me para dentro dele, como se enchem os sacos de serapilheira, de batatas acabadas de levantar da terra profunda e húmida.
Voltando, então, à dita teoria: as pessoas serão (porque talvez não sejam mesmo), então e segundo Aristóteles, empurradas para a tragédia não pelos seus defeitos, mas pelas suas virtudes. Édipo Rei, de Sófocles, é um exemplo disto mesmo: Édipo é atraído para a tragédia não por uma questão de indolência ou estupidez, mas devido à sua coragem e honestidade.
Que horror. Como isto dói, mesmo pensando que é uma história, um mito…
Dói, porque os mitos são como as bruxas… como algumas mães dizem “não acredito em bruxas…mas que as há, há”...
Sente-se medo, de novo.
Estou metida numa redoma, como aquele onde o Monstro da Bela e o Monstro guardava a sua rosa, para não morrer antes de a amar.


Quem é especial, fica-nos para sempre. Guardado no coração, a mais do que sete chaves. Por vezes, a cadeados, com medo que nos roubem quem nos alimenta a alma. Outras, guardam-se com penas leves ou com ramos de flores, sem medos que nos abalroem e tirem e roubem e afastem e assaltem e exturcam e depenem e façam sangue… de novo. O que, afinal, não pode ser ainda mais roubado nem abalroado, nem despedaçado. Já não pode ser mais, pensava eu. Penso ainda. Na esperança de que daqui para a frente (existirá frente?) nada abale, ao menos, a falsa tranquilidade, disfarçadamente conseguida.
Por isso, talvez, não haja neste jardim lugar para porquês. Não sou rainha, nem princesa, nem tenho príncipe, nem um final feliz antecipado.
[1] António Alçada Batista

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